Direito Penal
segunda-feira, 7 de junho de 2010


O assunto traz consigo uma questão interessante, e por mais que utilize de verbetes e linguajares pouco costumeiro no dia-a-dia de muitos cidadãos brasileiros, vale a atenção em sua seriedade, e para facilitar, algumas visitas à dicionários para melhor compreensão do texto. Ignore a importância política e considere apenas o volume jurídico das declarações sobre um ocorrido em 2006, o qual uma mãe cujo filho de 3 anos foi violentado por um menor, assassinou em plena delegacia o acusado, após receber as provocações do mesmo. Teria ela a culpa de assassinato? Poderia ela, após o trauma psicológico e emocional da situação, suportar tal insulto sem que isso afetasse sua moral, lhe impulsionando a cometer tal ato? veja as declarações abaixo e tire suas conclusões.

-----------------------------------------------------------------

Texto originalmente publicado no Site Direito Penal, do petista Chico Leite.

Monique Vaz Carvalho e Érica Pimentel de Sant’Ana Dourado

Mãe mata rapaz que violentou seu filho de três anos. Há inexigibilidade de conduta diversa?


Na terça-feira, dia 07 de fevereiro de 2006, Sebastião Terteluano ouviu um grito no bambuzal e foi até lá ver o que ocorria. Avistou seu vizinho Robson Xavier Francelino de Andrade, de 15 anos segurando com força seu filho de apenas três anos, e viu também que Robson teria violentado seu filho. Robson fugiu, mas a polícia conseguiu capturá-lo e meia hora depois, foram todos pra Delegacia. O pai e o menino foram ao IML fazer exame de corpo delito. A mãe, Maria do Carmo, ficou na sala de espera junto com o rapaz que acabara de violentar seu filho. Segundo a genitora, o rapaz ficou olhando pra ela e dando risada, dizendo que ia sair logo, pois era menor de idade. Foi quando a mãe da criança puxou uma faca de cozinha que estava escondida em sua cintura e acertou a jugular do rapaz, que morreu a caminho do hospital. Maria do Carmo foi presa em flagrante delito.

A classificação penal do delito é Homicídio Privilegiado, na modalidade sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, prevista no art. 121, §1º, do Código Penal, como causa de diminuição da pena. Contudo, as circunstâncias que concorreram para a conduta da agente têm grande relevância.
Segundo a teoria tripartite, a culpabilidade - terceiro elemento do crime (tipicidade + antijuridicidade + culpabilidade) - é composta de três elementos: imputabilidade, possibilidade de conhecimento da ilicitude do fato e exigibilidade de obediência ao direito. Existem situações em que não é exigida uma conduta adequada ao direito, ainda que se trate de sujeito imputável e que se realize a conduta com conhecimento da antijuridicidade; nessas circunstâncias, ocorre o que se chama de inexigibilidade de conduta diversa, que afasta o terceiro elemento da culpabilidade, eliminando-a, consequentemente.(1)

A inexigibilidade de conduta diversa é causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Apesar de o legislador não tê-la previsto, não se pode admitir a punição exclusivamente pela falta de previsão, o que acarretaria injustiças gritantes(2) . Um dos fundamentos para a aplicação dessa causa supralegal está no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, que traz o princípio da ampla defesa(3). Portanto, a não-exigibilidade de conduta diversa deve ser considerada um princípio geral de exclusão da culpabilidade.

Recusa-se a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal por entender-se que poderia causar insegurança jurídica(4) e prejudicar a sistemática da culpabilidade(5). Contudo, se não há culpabilidade não pode haver pena, ou mesmo qualquer intervenção estatal com fins exclusivamente preventivos. Culpabilidade é a limitação do poder de punir, e tem função política de garantia da liberdade individual(6).

Todas as situações de exculpação previstas legalmente, se justificam pela anormalidade de situações que fundamentam a inexigibilidade de conduta conforme o direito. Portanto, é princípio geral e tem natureza de fundamento supralegal de exculpação. Mesmo que o legislador não tenha previsto como causa exculpante expressa, não há como negar-se sua importância no sistema penal. Se o juiz constatar que não era possível o agente determinar-se de modo diverso, deve absolvê-lo(7).

O juiz ao aplicar o direito deve fazê-lo sob uma perspectiva fenomenológica, ajustando a lei à pessoa julgada e compreendendo seus valores. Há de ser feita uma apreciação ante a desigualdade social e a desigualdade humana, chegando a uma perspectiva humanística(8).

Não se pode considerar um “padrão” de culpabilidade. Certos fatos levam a pessoa a perder a norma de dever interno, perdendo valores e paradigmas. São as particularidades de cada pessoa que deverão ser analisadas a fim de aferir-se se era exigível conduta diversa. Se a conduta não é culpável, por ser inexigível outra, a punição é injusta, pois não há pena sem culpa(9). No caso em tela, a mãe agiu sob o ímpeto do choque emocional, não era humanamente exigível comportamento conforme o direito.

A culpabilidade é apreciada principalmente sob o ponto de vista da pessoa do agente, relacionando seu comportamento com sua personalidade. Valora-se o conflito de valores entre a norma e o valor posto como motivo do agir em determinada situação(10). Avalia-se se essa pessoa, nessa situação era capaz de agir de acordo com a norma(11).
Deve-se avaliar a dificuldade do autor em satisfazer a exigência do Direito(12) . Não há culpabilidade todas as vezes que, tendo em vista as circunstâncias do caso concreto, não se possa exigir do agente uma conduta diversa da por ele cometida(13). Se a não-realização do fato punível requer uma força de resistência normalmente inexigível, então exclui-se a reprovação e, consequentemente a culpabilidade(14).

Atualmente, a maioria da população vive o medo e a intranqüilidade, devido à falta de proteção por parte das instituições encarregadas de controle social e de repressão ao crime. Há um sentimento geral de que não há justiça(15). Diante desse quadro, é difícil exigir-se uma conduta conforme o direito de uma mãe que tem seu filho de apenas três anos violentado.
Por derradeiro, convém ressaltar que a tese de inexigibilidade de conduta diversa como excludente supralegal da culpabilidade, não se limita apenas ao campo teórico da discussão doutrinária, encontrando abrigo também na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (RESP N.º 2492 – Rio Grande do Sul – 5ª Turma – Rel. Min. Assis Toledo).


(1)BITENCOURT, Cezar Roberto; CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 331.(2) JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 482.(3) GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Parte geral. 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005, pág. 474.(4) FRAGOSO, Cláudio Heleno. Lições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pág. 259 e 260.(5) ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pág. 627.(6) SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, pág. 178.(7) GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral. Culpabilidade e teoria da pena. São Paulo: Revista dos Tribunais: IELF, 2005, pág. 43.(8) HERKENHOFF, João Baptista. Como aplicar o direito (à luz de uma perspectiva axiológica, fenomenológica e sociológigo-política). 4.ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.82.(9) GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Parte geral. 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005, pág. 465.(10) REALE Júnior, Miguel. Teoria do delito. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. pág. 153 e 158.(11) WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal. Uma introdução à doutrina da ação finalista. Tradução, prefácio e notas Luiz Regis Prado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, pág. 93.(12) WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal. Uma introdução à doutrina da ação finalista. Tradução, prefácio e notas Luiz Regis Prado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, pág 89.(13) JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 481.(14) SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, pág. 176.(15) SINHORETTO, Jacqueline. Os justiçadores e sua justiça. Linchamentos, costume e conflito. São Paulo: IBCCrim, 2002, pág. 13.



Monique Vaz Carvalho – OAB/DF 20.776 - Érica Pimentel de Sant’Ana Dourado – OAB/DF 22.474 - Coordenação: Professor Robson Caetano

Marcadores:

postado por Agarius @ 6:16 PM

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial

English French German Spain Italian Dutch Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified
Visitas
Contador de visitas
Postagens anteriores
Este blog é um trabalho dos irmãos William Agarius e Paulo Bastos
Divulgue nosso Blog!

Instale nossa barra de Ferramentas!
  • Download Aqui

  • Agarius Life no celular!